Raiva é mais uma emoção (Parte I)

Já se deram conta do quanto negamos que sentimos raiva?

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Vejam algumas das expressões cotidianas que indicam quando a raiva está, lá no fundo, regendo nossas ações: “estou estressada”, “irritada”, “indignada”, “ressentida”, “revoltada”, “magoada”… É possível que se use tais expressões por não aceitá-la, já que aprendemos que raiva é coisa “feia”.

Outras crenças a respeito? “Quem sente raiva é “do mal”, “é pessoa ruim”, “é desequilibrada”; “pessoas civilizadas não sentem raiva”, “as espiritualizadas então… jamais”, “é coisa de pessoas inferiores, agressivas, descontroladas”…

Vamos aprender a aprender com a raiva?

Ela é uma emoção humana como todas as outras e nos encaminha, se a buscarmos compreender, em direção ao que precisamos realizar para cultivar felicidade na relação conosco e com os outros. Precisamos lidar com ela para cuidar melhor de nós e de nossos laços.

De onde brota a raiva?

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Conhecemos seus sinais: peito em chamas, batimentos cardíacos acelerados, rosto congestionado, cabeça quente, dentes e punhos cerrados, corpo tenso…Sensações que indicam a presença de um forte impulso para uma ação vigorosa. Como fogo!

Comumente atribuímos a causa da raiva a algo que nos acontece ou a alguém. Mas, ela emerge de dentro de nós: de nossa dificuldade para lidar com a frustração ante os “nãos” da vida em movimento.

Sentimos raiva quando nos apegamos a querer que os outros sintam, pensem e ajam como queremos. Que as coisas aconteçam como e quando esperamos. Que o mundo já caminhe alinhado com o que é importante para nós.

Como isso não acontece, nos frustramos e nos enraivecemos. Lembram da birra infantil? É raiva.

Nos enraivecemos quando em nossa limitada avaliação – pois não percebemos as coisas por todos os prismas – interpretamos que aquilo que queríamos era possível acontecer e foi impedido por outros. Nos enraivecemos quando nos apegamos a crenças de que a situação já deveria estar do jeito que queríamos que estivesse. Nos iramos, enfim, quando não aceitamos o estado de coisas, como estão possíveis no momento…

Entenda: aceitar aqui não significa acomodar-se! Ante a constatação do estado, quanto maior for a compreensão de que não temos controle sobre pessoas e eventos, menor será a intensidade da frustração, que mais rapidamente será superada e transformada em ação efetiva de construção. Até do que antes era considerado impossível.

Quanto maior a ilusão do controle, maior será a raiva.

Alimentamos raiva também, quando nos apegamos à interpretação sobre o que consideramos as más intenções dos outros: “ele falou deste jeito comigo porque me despreza e não me respeita”, “fez desta forma de propósito pra me provocar”… Veja bem: intenção é algo tão secreto. Frequentemente até para quem age. Não podemos adivinhar intenções, nem das pessoas que imaginamos conhecer muito bem.

Já sentiram raiva ante obstáculos ao querer superá-los? Aquela irritação por não estar conseguindo realizar pode funcionar como força que impulsiona e encoraja.

Pessoas com tendências predominantemente competitivas tendem a sentir mais raiva.

Mas…importante ter claro: a matriz profunda da raiva está mesmo, em nossas necessidades não satisfeitas por nós. Quanto maior a inconsciência sobre nossa responsabilidade em saciar “fomes” pessoais  na relação com o mundo, menos nos cuidamos. E delegamos a outros essa tarefa, muitas vezes sem sequer informá-los sobre nossas expectativas . Depois voltaremos aqui neste ponto…

O que temos feito com a raiva…

Quando negamos a raiva em nós, podemos direcioná-la para dentro. Atacamos a nós mesmos. E implodimos em angústia e em sintomas físicos. A mágoa é uma raiva que não se permite sentir. Sob a depressão é possível que exista também, raiva camuflada.

Quando avaliamos que a forte raiva que pulsa em nós é condicionada a questões externas, a tendência é alimentá-la, ressentindo-a, mantendo-a viva e forte, lembrando e relembrando o que aconteceu. Mesmo que imaginemos que a estamos escondemos dos outros, ela se manifesta em tudo o que fazemos ou deixamos de fazer.

Deixar-se dominar pelo fogo da raiva também dói muito. A cegueira e a surdez resultantes, consomem primeiramente a pessoa que a nutre. Explodir pode aparentar ser bom temporariamente. É catártico e nos traz uma falsa sensação de poder sobre os outros.

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Mas, expressar a raiva livremente pode-nos deixar numa situação de completo descontrole, nos colocando em risco, aos outros e as nossas relações. Uma árvore em chamas pode incendiar um bosque inteiro e suas circunvizinhanças.

Uma forma muito comum de “colocá-la pra fora” é desabafar. Falar tudo o que para nós parece ser a causa de nossa dor, num esforço para culpar e punir alguém, buscar aliados e/ou eliminar a causa. Violências como as calúnias e as difamações, são cometidas nessas circunstâncias. E violência gera violência.

Então, podemos escolher entre alimentar ou transformar o ciclo da violência.

É possível seguir as pistas oferecidas pela raiva e produzir belas aprendizagens para a vida. Voltaremos logo em seguida, nesta busca.

Lena Mouzinho

lenacristinam@gmail.com

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